sábado, 30 de outubro de 2010

Post nº 07

A  REAÇÃO  DE  PORTUGAL  AO  GOLPE  MILITAR  EM  FRANÇA  CONTRA  OS CAVALEIROS  TEMPLÁRIOS
Os Cavaleiros Templários foram fundamentais para a expulsão dos mouros de Portugal e todas as famílias
nobres tinham membros na Ordem. Por isso o rei Diniz e o povo português ficaram do seu lado  



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A notícia do arrasador golpe na França contra os Cavaleiros Templários deixa a Europa estupefata! Nos outros países nobreza, clero e povo ficam tão espantados quanto seus iguais franceses, mas seus soberanos, que devem grandes favores aos legendários Cavaleiros, também ficam temerosos do poder, audácia e implacável eficiência de Felipe o Belo. Ademais, a França é o país mais extenso, populoso, rico e poderoso do continente, e concluem que é melhor não desafiar o seu rei, até porque existe na sociedade forte antipatia aos Templários, pois o povo, embora surpreso, aplaude o golpe.

Aos humildes nada é mais prazeroso do que a escandalosa queda e desgraça dos poderosos! Por isso os reis europeus limitam-se a pedir a Felipe tímidas explicações e ele responde mentindo, dizendo que tem o apoio do Papa e lhes mandando a lista das atrozes acusações forjadas contra os cavaleiros. Na verdade, o Papa está tão perplexo quanto os demais e permanece calado tentando negociar nos bastidores, mas isto é visto como consentimento e os príncipes concluem que o melhor é seguir o colega francês, perseguindo a Ordem e tomando-lhe os bens. Como urubus, lançam-se à carniça e com documentos falsos alegam serem seus credores, pois nela depositaram grandes quantias”!

Além de culto e valente, Diniz é honesto e recusa-se a participar da
roubalheira dos demais monarcas europeus

Porém enquanto a Ordem existir os seus bens são inalienáveis. Caso seja extinta, serão incorporados a uma outra escolhida pelo Papa, mas no interregno ficarão sob a guarda das autoridades eclesiásticas. Os reis contornam a árdua questão jurídica através dos seus bispos, que embora nomeados pelo Papa são indicados por eles. Assim, fazem altos prelados de sua confiança “fiéis depositários” do acervo e apoderam-se dele. É importante realçar que embora o povo seja fanaticamente religioso a Igreja Católica, como instituição terrena, passa por enorme crise moral e política, estando o Sumo Pontífice refugiado em um castelo na cidade de Avignon no sul da França devido aos cismas e revoltas que sacodem Roma e a Itália. Assim, embora conserve sua enorme autoridade religiosa sobre massas ignorantes e fanáticas, o Papa carece da boa vontade do poderoso rei francês para manter sua autoridade política e debelar as rebeliões que ameaçam desembocar em avassalador movimento de Reforma Religiosa 200 anos antes que ele realmente ocorra, como de fato virá a ocorrer no século XVI. O resultado é que o Papa pouco ou nada pode fazer pelos seus fiéis cavaleiros, pois além de estar politicamente fraco Felipe o chantageia ameaçando revelar ao público segredos que possui sobre fatos gravíssimos que acabariam por desmoralizar a Igreja completamente.

Não sabendo ainda que a chantagem inativara o Papa, Diniz manda-lhe
embaixadores para aconselha-lo a resistir ao rei Felipe 


No resto da Europa os Templários, sabedores da catástrofe francesa, contra-atacam como podem. Ensarilham armas e entram em estado de alerta máximo, atemorizando príncipes e bispos que não se atrevem a hostiliza-los, mas também não se colocam ao seu lado e preferem esperar que as coisas fiquem mais claras. Em alguns principados alemães senhores mais afoitos lançam-se sobre os cavaleiros, mas são derrotados e é a vez deles entrincheirarem-se amedrontados em seus castelos. Porém o tempo está contra os Templários e à medida que passa e a voz do Papa não se ergue em sua defesa acreditam que o Sumo Pontífice está contra eles e fogem ou ingressam na Ordem dos Cavaleiros Teutônicos. Processos, execuções e fugas ocorrem em toda a Europa, porém nada igual ao que acontece na França. Na maioria dos casos os cavaleiros simplesmente somem, fugindo para lugares distantes ou ingressando em outras Ordens que se atrevem a correr o risco de aceitá-los.

Castelo de Tomar, sede da Ordem dos Cavaleiros Templários em Portugal. Diniz muda-lhe o nome
para "Ordem dos Cavaleiros de Cristo" e tudo continua na mesma
            
Todavia, no cruel cenário de covardia, desonestidade e cupidez que grassa em toda a Europa, uma voz discordante se ergue em defesa dos perseguidos cavaleiros: a do popular rei Diniz de Portugal, grande administrador, valente guerreiro, brilhante intelectual e celebrado poeta. Apesar de reinar sobre um pequeno país, Diniz é o mais culto e digno soberano europeu. Estudioso e educado por doutores da Universidade de Paris, além de culto ele é também guerreiro e poeta, o que lhe vale a alcunha de "O Trovador". Criou escolas e incentiva a instrução, o comércio, a indústria e a agricultura, o que lhe dá também o apelido de "O Lavrador". Pouco tempo depois do traiçoeiro golpe militar ele funda a Universidade de Coimbra, que logo se tornará uma das mais afamadas da Europa.

Os cavaleiros templários tiveram grande atuação na Península Ibérica e foram essenciais para a
reconquista de Lisboa aos muçulmanos. Quadro de Alfredo Roque Gameiro (1917)
            
Portugal é o pais europeu onde proporcionalmente ao seu tamanho e população existem mais Cavaleiros e Castelos Templários, ao todo cerca de mil cavaleiros e trinta castelos. Na Inglaterra e Escócia, por exemplo, não existe nenhum castelo e o número de Cavaleiros nos dois países não chega a cem. Por outro lado, a unificação de Portugal, decorrente da expulsão dos muçulmanos para a qual os Templários muito contribuíram, é recente e, ao contrário do resto da Europa, eles gozam de grande prestígio entre o povo. Quase todas as famílias nobres têm pelo menos um membro na Ordem e o culto rei Diniz lhe tem respeito e gratidão, não só pela valente ajuda militar como pelo valioso auxílio à sua grande obra administrativa. Por isso, indignado com o que se passa na França, manda enérgico protesto ao Papa e vitupera a infame atitude de Felipe.
            
Passando das palavras aos atos, oferece integral proteção à Ordem. Em Portugal ela continuará atuando e todos os cavaleiros fugitivos serão bem recebidos! Centenas deles chegam de toda a Europa trazendo apenas a roupa do corpo, mas trazendo também os grandes conhecimentos que possuem, não só das artes marciais, mas também das artes do comércio e da navegação.
  
Em Portugal existem dezenas de castelos e ruínas de castelos templários. O castelo do Almourol em
ilha do rio Tejo é um dos mais belos e importantes

Oito navios templários que fogem de um porto francês atracam no pequeno porto de Lisboa. Logo chegam mais navios e com eles experientes tripulações, mapas secretos, valiosos instrumentos náuticos, livros contendo elaboradas técnicas contábeis, preciosas informações geográficas e astronômicas, e listas de importantes contatos comerciais no Mar Mediterrâneo, Mar Negro, Mar do Norte e Mar Báltico.

Maior tesouro que os Templários levam para Portugal são seus navios e seus conhecimentos náuticos.
No ano da sua chegada Diniz funda a Universidade de Coimbra e a marinha portuguesa
             
Não se sabe se com os navios também chegou a Portugal o lendário Tesouro dos Cavaleiros Templários, mas é certo que com eles chegou um outro valiosíssimo: o tesouro do conhecimento comercial e naval! Graças ao rei Diniz e aos Cavaleiros da Ordem do Templo, Portugal vai entrar no rol das grandes potências europeias e isto terá relevante importância no mundo muitos anos depois, inclusive no Brasil. Mas antes disso teremos de nos debruçar sobre outras questões do rumoroso caso e o longo e sinistro processo judicial que se desenrola na França contra a legendária Ordem guerreira.




quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Post nº 06

O  GOLPE  MILITAR  QUE  DESTRUIU  A  ORDEM  DOS  CAVALEIROS TEMPLÁRIOS

Rei Felipe IV de França apelidado "O Belo". Ele destruirá a Ordem dos Cavaleiros Templários
com um golpe militar fulminante. Tela de autor anônimo do século XIX

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Na manhã da quinta-feira 12 de outubro de 1307 realiza-se em Paris o solene funeral de Catarina de Courtenay, neta do imperador de Constantinopla e esposa do nobilíssimo Carlos de Valois. O rei Felipe o Belo e toda a alta nobreza estão presentes, incluindo o Grão-Mestre Templário Jacques de Molay, ao qual cabe a subida honra de segurar uma das pontas da mortalha. O poderosíssimo Grão Mestre ainda não sabe, mas ele está vivendo o seu último dia de glória e liberdade: no dia seguinte estará maltrapilho em um calabouço imundo e daí a 6 anos e 5 meses morrerá na fogueira depois de sofrer as mais ultrajantes torturas  e humilhações. Tudo que restará dos seus temidos Cavaleiros Templários serão superstições e lendas que sobreviverão ao peso dos séculos.

          Notre Dame de Paris onde Jacques de Molay aparecerá livre e poderoso em público pela última vez. No
                               dia seguinte ele e seus cavaleiros estarão acorrentados em calabouços imundos.
     
Porém nesta manhã, onde luto é apenas pretexto para exibição de poder e vaidade, nada nos rostos dos dois homens denota a batalha diplomática secreta que travam junto ao papado em torno da poderosa e riquíssima Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém, pois somente o Sumo Pontífice tem jurisdição sobre ela. Jacques de Molay está tranqüilo e confiante no apoio do Papa, que o mantém a par das manobras diplomáticas de Felipe, mas ignora totalmente sua secreta preparação para uma eventual solução militar caso a diplomacia não lhe permita alcançar os seus perversos objetivos. 
             
As denúncias contra os Templários colecionadas por Felipe se acumulam há meses e em agosto as partes envolvidas concordam que seja instaurado inquérito real-eclesiástico, conduzido por comissão mista de juízes indicados pelo Rei e pelo Papa, para apurá-las e por um ponto final na questão, fazendo cessar de vez os falatórios. O início das audiências é marcado para o dia 20 de outubro e tudo parece seguir os devido trâmites legais.

                                         Castelo e sede dos Templários em Paris, demolido quinhentos anos mais
                                                   tarde por Napoleão Bonaparte. Tela de autor anônimo (1795)
            
O Rei parece conformado, pois há semanas não toca no assunto, mas é tudo um disfarce, pois Felipe não é homem de aturar desafios à sua autoridade nem deixar que tecnicalidades legais se interponham entre ele e os seus objetivos. Cansado das delongas papais, há um mês reuniu em sigilo o seu conselho privado e decidiu pela radical supressão da Ordem, lavrando-se o rol de terríveis acusações e o mandado de prisão dos seus membros. Ele sabe que somente agindo disfarçado nas trevas poderá apanhar de surpresa os aguerridos e experientes Cavaleiros com chances de vitória, por isso todo o seu sinistro plano é mantido em rigoroso segredo e medidas preliminares são tomadas. O Capelão da Corte, seu servo obediente, é o Grande Inquisidor da França e o seu aval é obtido sem dificuldades. O exército fica de prontidão nos quartéis, restaurando a disciplina e treinando para enfrentar “futuros inimigos externos”. Peça chave da conspiração oficial, o exército é posto de prontidão e os comandantes nada dirão aos soldados, mas devem ficar no aguardo de importantes ordens reais cujo teor eles ignoram e que podem chegar a qualquer momento.

Sabendo que os cavaleiros vão estar ocupados reunindo documentos, procurando testemunhas e planejando depoimentos nos dias que antecederão à abertura do Inquérito, ele marca o dia do golpe para uma semana antes do seu início: 13 de outubro! Nem uma palavra vaza sobre os Templários, homens do Papa e amigos do Rei.

Finalmente chega a hora. Enquanto ocorrem as suntuosas exéquias de Catarina de Courtenay em Paris, velozes correios militares cruzam a França com mensagens urgentes aos comandantes das guarnições do exército. As ordens estão lacradas e só serão abertas à zero hora da sexta-feira 13 de outubro. Após romperem o lacre e tomarem conhecimento das determinações reais, deverão executar imediatamente as suas detalhadas instruções.

    Jacques de Molay, grão-mestre da Ordem dos Cavaleiros Templários.
             Obra de autor anônimo. Bibliothéque Nationale de France

Ao primeiro cantar do galo os comandantes dirigem-se com pequena escolta às fortalezas templárias, chamadas comendas, dizendo trazerem notícias urgentes. Abertos os portões, tropas ocultamente posicionadas penetram e os monges guerreiros são presos ainda em trajes de dormir. Com calma, sem erros ou precipitações, as ordens são executadas na mesma hora e com a mesma eficiência em todo o país, prendendo Cavaleiros aterrorizados pelas espantosas acusações que ouvem como se fosse um pesadelo. Alguns fogem, outros se suicidam. Em Arras, cavaleiros são sumariamente degolados.

Em toda a França é uma madrugada de medo e horror!

Em Paris, as operações são dirigidas pelo Ministro da Justiça Guilherme de Nogaret, que pessoalmente dá voz de prisão ao Grão-Mestre Jacques de Molay e a cento e quarenta dos seus cavaleiros, levados acorrentados aos imundos calabouços sem que sequer lhes permitam mudar de roupa. Muitos de lá somente sairão para as fogueiras.

               Iluminura medieval mostrando os Templários sendo levados pelos guardas ao calabouço. Note-se
                               que estão descalços e vestindo apenas o hábito com que foram presos dormindo
        
Quando o dia amanhece as fortalezas templárias estão em poder das tropas reais, os Cavaleiros estão presos ou mortos e a população está atônita. O segredo da assombrosa operação militar foi mantido e Felipe o Belo triunfa de ponta a ponta, criando no século XIV uma técnica de Golpe de Estado que no século XX vai ser estudada e aplicada por todos que almejam conquistar ou manter o poder por meios violentos, livrando-se de adversários poderosos com um Golpe Militar devastador e fulminante. Se do ponto de vista administrativo e ético ele se mostrou e se mostrará cruel e corrupto, de agora em diante ele também se mostrará competente e implacável líder militar e político, com toda a frieza e cinismo que isto implica.

 O ministro Guilherme de Nogaret conduz o golpe e prende
           Jacques de Molay. Autor anônimo (séc. XVIII)

O vitorioso rei instala-se no Templo, manda abrir os cofres e livros da Ordem e apodera-se das suas riquezas, prometendo divulgar o valor arrecadado logo que o inventário estiver completo, promessa que é logo esquecida. Ninguém jamais saberá o montante do Tesouro apreendido e nem mesmo se houve algum, pois surgirão fortes suspeitas de que Felipe nada encontrou. Os comentários serão de que os cavaleiros o teriam levado para local secreto face ao tenso relacionamento com a coroa nos meses anteriores ao golpe e se negavam agora a revelá-lo ao traiçoeiro monarca, mesmo sob ultrajantes torturas.

O imenso tesouro desaparecido, posto fora do alcance das mãos ávidas do ganancioso rei, será apenas uma das questões discutidas nos anos seguintes. Por enquanto o  longo e tenebroso processo judicial dos Cavaleiros Templários e a secular polêmica histórica sobre os mistérios que os cercam estão somente começando.

O seu desfecho será sinistro !



segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Post nº 05

APOGEU  E  DECADÊNCIA  DOS  CAVALEIROS  TEMPLÁRIOS


Nos séculos XII e XIII várias Ordens religiosas-militares aparecem na Europa em razão das Cruzadas, mas nenhuma é tão rica e poderosa quanto a Ordem dos Cavaleiros Templários

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Por volta de 1200 a Ordem dos Cavaleiros Templários está no auge: é a mais rica e poderosa da Europa, poucos reinos da época têm o seu mesmo poder econômico, político e militar, e o seu Grão-Mestre fala de igual para igual com príncipes, reis e imperadores. Acima dele e dos seus cavaleiros estão somente Deus e o Papa!
       
O seu poder militar na Europa é tão grande quanto na Ásia e se faz sentir de forma marcante na Península Ibérica, onde ela desempenha papel tão importante quanto na Palestina, pois é essencial na reconquista de Lisboa em 1147 e na posterior expulsão dos muçulmanos do território português, permitindo a unificação do país tal como o conhecemos hoje. Isto talvez explique porque Portugal é o país europeu com maior número de castelos templários proporcionalmente à sua população. 

Os cavaleiros templários tiveram forte participação na reconquista de Lisboa pelo rei Afonso
Henriques. Quadro de Joaquim Rodrigues Braga (1840)

Porém menos de um século depois o sólido edifício começa a apresentar rachaduras: os guerreiros cristãos saem derrotados da Palestina, os muçulmanos são expulsos definitivamente de Portugal e os príncipes ibéricos fazem uma trégua com o reino islâmico da Andaluzia, o mais próspero e civilizado da Espanha. O fervor cruzado esmaece e os cavaleiros dormitam ociosos em seus castelos, pois os veteranos com experiência militar estão velhos ou mortos e os jovens que agora se alistam o fazem não por fé, glória e aventura, mas por vaidade, privilégio e conforto. A rígida moralidade, férrea disciplina e duro treinamento são relaxados, permitindo que oportunistas ingressem na Ordem e gozem das suas vantagens sem sequer possuírem as elementares virtudes da valentia e da decência. À medida que desce o valor guerreiro e moral dos cavaleiros, sobe o seu orgulho e arrogância, criando um clima de antipatia que faz surgirem ditados populares do tipo, come igual a um templário, bebe mais que um templário, fornica como um templário, e outros igualmente depreciativos.

O estado-maior da Ordem tem voz ativa nos mais altos assuntos da Europa, mas isto lhe traz a antipatia
dos reis e a inveja dos bispos. Cena do filme "Arn o Cavaleiro Templário"
       
A situação piora com a mudança da sede da Ordem para a capital francesa, onde, não tendo muçulmanos com que se preocupar, os cavaleiros passam a tratar os locais como seus inferiores e a imiscuírem-se nos seus negócios como se fossem um poder paralelo ao poder real e eclesiástico. Exceto na península ibérica, onde existe um poderoso reino muçulmano com o qual os cristãos estão sempre em luta e têm muito com que se ocupar, no restante da Europa os templários dedicam-se aos negócios econômicos como se fossem uma empresa comercial e não uma guarda de elite destinada à proteção dos lugares santos e à expansão da fé católica fora do Continente. Seu grande poder econômico logo é acompanhado de grande poder político dentro da própria Europa, e os seus rivais passam a ser cristãos ao invés de muçulmanos. Príncipes e bispos, embora economicamente se beneficiem de empréstimos e doações dos cavaleiros, ficam cada vez mais ressentidos com o enorme poder que eles exercem dentro de suas próprias jurisdições, muitas vezes suplantando ou simplesmente ignorando a sua autoridade.
       
Em todos os países da Europa Ocidental a Ordem torna-se um Estado dentro do Estado, com a agravante de ser um Estado multinacional a serviço do Papa dentro de suas fronteiras sem qualquer vínculo de subordinação às suas Coroas. Ocorrendo isto no momento em que a Revolução Comercial impele os países europeus a se estruturarem em grandes Estados Nacionais, para o que é essencial a instituição do Rei Absoluto, a Ordem Templária surge como enorme obstáculo aos novos tempos. Isto não passa desapercebido a monarcas europeus mais astutos e clarividentes, como é o caso de Eduardo o Caolho de Inglaterra e Felipe o Belo de França.

Felipe é enérgico e unifica quase todo o reino. Eduardo I da Inglaterra lhe presta vassalagem
pelos poucos feudos que ainda tem na França. Iluminura medieval (séc. XIV)
             
Embora mau administrador, Felipe é implacável e reconquista quase todos os territórios que durante séculos tinham estado em mãos de reis estrangeiros, sobretudo da Inglaterra, por isso não admite oposições nem arranhões na autoridade real, o que lhe vale receber do povo o apelido de "O Rei de Ferro". O próprio rei inglês Eduardo I lhe presta vassalagem por alguns principados que ainda tem na França, mas sabe que a qualquer momento pode perdê-los se Felipe achar conveniente extinguir a relação feudal sob pretextos que venha a inventar. Em consequência, mantém com o rei francês as melhores relações possíveis e concorda que os Templários são realmente um grande incômodo para monarcas que, como eles, aspiram governar plenamente os seus reinos sem ingerências de qualquer espécie.
         
Mas ao contrário de Eduardo, em cujo país a Ordem tem presença superficial e não lhe causa maiores incômodos, pois não possui castelos-fortaleza nas ilhas britânicas,  para Felipe o problema é gravíssimo, pois é na França que a Ordem tem a sua sede e a sua mais ostensiva presença, com dezenas de castelos-fortaleza e grande contingente de cavaleiros. Diferente do que ocorre na Inglaterra, na França a Coroa depende mais da Ordem do que a Ordem da Coroa, coisa que para um monarca aspirante ao absolutismo é intolerável.
        
Seja por esta ou por outra razão, príncipes e grandes mercadores interessados na solidificação do Poder Real começam a murmurar contra o enorme poder da Ordem e o descontentamento se espalha pela sociedade, gerando um ambiente de geral hostilidade aos Templários. Com a hostilidade surgem histórias escandalosas sobre as suas atividades públicas e privadas, muitas delas mentirosas, mas algumas respaldadas aos olhos do público pelo comportamento descuidado, arrogante e impróprio assumido por muitos cavaleiros no meio da supersticiosa e fanática sociedade onde vivem.

Passando a viver em contato com as populações locais, os templários revelam-se brutais, arrogantes
e pouco virtuosos, tornando-se odiados. Cena do filme "Arn o Cavaleiro Templário"

Como em todo agrupamento humano, é provável que entre eles sempre tenha havido cavaleiros inclinados aos pecados da gula, da intemperança e da luxúria, mas a sua fervorosa religiosidade certamente os fazia julgá-las tentações do diabo e as sufocavam sob grossas camadas de fanatismo e bravura. Porém agora fé e valentia não são mais essenciais e as suas perversas inclinações se tornam visíveis, ainda que disfarçadas pela hipocrisia. Embora sejam exceções, sua má conduta danifica a reputação de todos, tal como a maçã podre contamina as saudáveis dentro do cesto. Todavia isso em nada diminui o poder econômico e político da Ordem: reis, príncipes e ricos mercadores lhe devem altas somas e dela dependem para suas despesas e grandes transações; por isso lhe são sabujamente submissos.

Entre os que mais devem favores à Ordem está o rei Felipe o Belo, que a faz seu banqueiro e depositária do Tesouro Real. Quando por mais de uma vez os seus desmandos levam a França à beira do desastre, ele é salvo pelo dinheiro dos Templários. Sempre carente de recursos, ele confisca os bens dos judeus e depois manda diminuir o percentual de prata nas moedas cunhadas pelo Erário Real, o que faz o povo lhe dar o apelido de "O Rei Falsário". Em 1306 ocorre um levante popular em Paris contra o seu governo incompetente, e as tropas reais, que não recebem seus soldos há meses, ficam inativas nos quartéis enquanto ele refugia-se no Templo, nome que tinha a sede da Ordem em Paris e se tornara seu sinônimo. Felipe fica sob a proteção dos Cavaleiros até a calma ser restaurada após árduas negociações do Grão Mestre Jacques de Molay com os amotinados, mas durante sua hospedagem forçada entre os Templários ele vê os seus enormes tesouros e toma ciência do seu vasto patrimônio comercial e imobiliário espalhado por toda a Europa, o que lhe aumenta ainda mais a cobiça e faz o despeito sobrepor-se à gratidão que deveria ter aos Cavaleiros por o terem salvo da fúria popular. Ardilosamente, contrai novo grande empréstimo com a Ordem, põe em dia o pagamento das tropas e dos servidores civis, lhes dá um substancial aumento e lhes ganha o apoio e a gratidão.

A Ordem dos Templários era riquíssima, possuindo feudos e castelos em toda a Europa,
sobretudo na França e na Península Ibérica
         
Felipe é um patife astuto que percebe estar o Templo deixando de ser uma sociedade de monges guerreiros para se tornar uma sociedade de mercadores banqueiros, a maior e mais rica que já se viu e cujo poder político é enorme. Mas ele vê também que, em um mundo onde a espada é a lei, o poder econômico e político dissociado do poder militar é um convite certo ao desastre. Depois de várias décadas sem combater, o poder militar dos Templários é só uma lembrança de um passado distante. Corretamente, ele avalia que a Ordem é um gigante de pés de barro: um golpe certeiro a jogará por terra! Ademais, ela tem a antipatia do alto clero, muito incomodado por sua independência da autoridade dos bispos e pelo prestigioso diálogo direto que tem com o Papa e o Colégio de Cardeais. Muitos bispos não se conformam com o fato de ser o comendador diocesano da Ordem muito mais rico e poderoso do que ele dentro da sua própria Diocese. Também nobres e comerciantes, que têm os seus débitos judicialmente executados ou em vias de execução, gostariam de se ver livres de sua implacável credora e assim salvarem suas propriedades.
  
Poderosas muralhas do castelo templário de Tomar, sede da Ordem em Portugal que abrigará
cavaleiros fugitivos vindos de toda a Europa após a derrota na França
           
Já sabendo que o Templo é uma mina de ouro e tem muitos inimigos, Felipe tenta tornar-se seu membro e apoderar-se dele, mas o Grão-Mestre Jacques de Molay se nega a admiti-lo sob o argumento de que não poderia se tornar monge um homem casado e rei; para tanto teria que renunciar ao trono e à esposa. Felipe fica furioso e começa a arquitetar a destruição da Ordem com o seu ministro Guilherme de Nogaret, o qual, por razões pessoais idênticas a de muitos outros, também odeia os Cavaleiros. Portanto, coleciona vasto rol de denúncias sobre o mau procedimento de vários membros da Ordem e pleiteia secretamente junto ao Papa a sua dissolução alegando não ser ela mais necessária porque o seu principal objetivo, a proteção dos lugares santos na Palestina, desapareceu desde que ela de lá foi expulsa. Alega também que a má reputação dos cavaleiros faz do Templo um ônus para a Igreja, mas o Papa está ciente que o despeito e a cobiça são os verdadeiros motivos de Felipe e se nega a atendê-lo. Muito pressionado, tenta negociar e previne Jacques de Molay dos sinistros desígnios reais, dando início a um longo e incrível jogo de gato e rato que se travará nos bastidores e terá um desfecho terrível.

O Grande Mestre Templário ainda não sabe, mas ele e a sagrada Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém já estão mortos! 



sábado, 16 de outubro de 2010

Post nº 04

OS  CAVALEIROS  TEMPLÁRIOS  -  UMA  SAGA  DE  HEROÍSMO  MILITAR  E  TRAGÉDIA  POLÍTICA
A tomada de Jerusalém pelos Cruzados em 1099 levaria à criação da Ordem
dos Cavaleiros Templários para guardar e proteger os lugares santos


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Poucos assuntos têm sido tão explorados pelos modernos fabricantes de mitos quanto a Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém, extinta há setecentos anos por um feroz processo ordenado pelo Rei de França e sancionado pelo Papa. Os seus líderes morreram na fogueira por práticas diabólicas e as riquezas imobiliárias da Ordem foram parar nas mãos do rei francês e dos reis europeus que o apoiaram.
           
Digo riquezas imobiliárias porque as riquezas monetárias (ouro, prata, jóias, pedras preciosas e moedas de todos os tipos), cujo montante se sabia ser enorme, jamais foram encontradas, nem na sede da Ordem em Paris nem nas suas fortalezas espalhadas por toda a Europa. Quando as tropas reais as ocuparam e prenderam os cavaleiros que lá estavam os tesouros tinham sumido!
           
O fragor do longo e escandaloso processo ressoa até hoje, e o mistério do Tesouro dos Templários tem sido fonte para as estórias mais mirabolantes. Tudo quanto é de seita obscura, real ou imaginária, tem sido relacionado à Ordem, a qual, segundo os produtores de mistério, existe secretamente até hoje e os seus membros guardam terríveis segredos que envolvem intrincadas tramas e conspirações.

 As lutas entre cristãos e muçulmanos tumultuaram o Oriente Médio
             durante dois séculos. Tela de Eugène Delacroix (séc. XIX)
         
Todos esses imaginosos enredos constituem ótimo divertimento, mas não têm nada a ver com a verdade da história real. A Ordem dos Cavaleiros Templários nasceu em 1118 quando dois jovens cruzados franceses da alta nobreza, Hugo de Payen e Godofredo de Saint-Omer, decidiram adotar a vida de monges sem abandonar o mundo secular, continuando a guerrear os infiéis na Terra Santa e a proteger os peregrinos que seguiam por suas perigosas estradas e desfiladeiros. O número de monges-soldados aumentou e a sua bravura, fé e desprendimento logo espalharam a sua fama por toda parte.
 
   Em 1128 o Concílio de Troyes aprovou a Ordem dos
      Templários. Gravura de autor anônimo (séc. XIX

O rei Balduíno II de Jerusalém lhes deu para alojamento um prédio anexo às ruínas do Templo judeu, em cujo topo está a célebre mesquita Al-Aksa, e eles o transformaram em grande fortaleza que se expandiu pelos subterrâneos do Templo, criando a lenda de que os cavaleiros os escavavam em busca do Tesouro do rei Salomão. Mais tarde a lenda foi acrescida do mito de que eles o teriam achado e por isso teriam se tornado imensamente ricos. Por controlarem as ruínas do Templo e nelas terem o seu quartel principal, eles passaram a ser chamados de Os Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, nome este que adotaram para a sua Ordem quando alguns anos mais tarde ela veio a ser oficializada por bula papal que lhe aprovou os estatutos.

 O Templo de Jerusalém foi destruído pelos romanos no século I DC e os
   cavaleiros ocuparam suas  ruínas ganhando o nome de "Templários"
   
Uma ordem de monges que ao invés de viverem reclusos no mosteiro meditando e rezando viviam de espada em punho matando nos campos de batalha era um conceito estranho à longa tradição cristã e por isso houve muita resistência ao reconhecimento da nova organização religiosa. Em 1127, Hugo de Payen e alguns companheiros chegaram a Roma em busca da aprovação papal e o Santo Padre nomeou o nobre clérigo Bernardo de Claraval, famoso por sua erudição e santidade, para estudar o assunto. Ele aderiu com entusiasmo à iniciativa dos bravos cavaleiros e reuniu brilhante Concílio na cidade francesa de Troyes que a debateu durante semanas. Finalmente a Ordem foi estabelecida em 1128 e Bernardo se tornou seu pai espiritual e maior propagandista, fazendo com que a sua fama corresse toda a Europa. Reis e príncipes lhe doaram castelos e propriedades, homens ricos a presentearam com fortunas em dinheiro e milhares de jovens nobres, fanaticamente religiosos e sedentos de aventuras, nela ingressaram com fervor. Em pouco tempo a Ordem dos Cavaleiros do Templo tornou-se a espinha dorsal do exército cruzado e a mais poderosa e afamada de toda a cristandade.

A Ordem cresceu quando Bernardo de Claraval pregou
          a II Cruzada. Tela de Émile Signol (séc. XIX)
           
A Ordem fortaleceu-se ainda mais quando em 1146 São Bernardo de Claraval pregou por toda a Europa a II Cruzada e convocou os jovens nobres a juntarem-se aos Templários. Ela novamente recebeu uma torrente de novos membros e tornou-se um verdadeiro exército com milhares de homens treinados dia e noite para o combate. Eram todos rapazes ricos dos mais diversos níveis da nobreza e alguns tinham status de príncipes por pertecerem a casas reinantes, mas uma vez cavaleiros templários os privilégios desapareciam e tudo era concentrado nos esforços para deter o avanço islâmico que havia retomado várias cidades e agora ameaçava retomar Jerusalém. Porém o mais significativo de tudo é que com os novos cavaleiros veio não só nova onda de entusiasmo, mas também nova onda de doações que tornaram a Ordem ainda mais rica do que já era.

     Hugo de Payen criou a Ordem, mas quem lhe deu poder foi São
       Bernardo. Quadro de Georg Andreas Wasshuber (séc. XVIII)
  
Ela agora possuía terras, castelos, fortalezas, exércitos, esquadras e lojas nos principais portos da Europa e do Oriente Médio, o que a fez criar as cartas de crédito para transferência de dinheiro: comprava-se uma carta na loja da Ordem em Londres, que cobrava uma taxa pelo serviço, e se a sacava na loja de destino. Isto, que hoje é trivial, era novidade no século XII e deu início à economia globalizada.

Durante sessenta anos os Cavaleiros Templários foram o braço armado e principal sustentáculo do reino cristão da Palestina, mas no final do século XII o sultão Saladino reconquistou Jerusalém e a Ordem viu-se obrigada a retirar-se, abandonando sua sede nas ruínas do Templo. Todavia conservou o seu nome tradicional e continuou lutando com denodo  na esperança de retomar a cidade e fazer as coisas voltarem ao que eram. Nos oitenta anos seguintes não parou de crescer e de obter vitórias contra os muçulmanos tanto no Oriente como na Península Ibérica, onde foi fundamental para a expulsão dos árabes de Portugal, mas não conseguiu obter a vitória que realmente lhe importava: Jerusalém!

Na segunda metade do século XIII as cruzadas tiveram uma parada e o principal objetivo da Ordem, que era a reconquista da guarda do Santo Sepulcro e dos lugares santos, ficou cada vez mais distante. Para completar, os príncipes espanhóis fizeram uma trégua com o Sultão de Granada, deixando os cavaleiros sem ter o que fazer e o seu valoroso grão-mestre buscando uma nova razão de ser para a poderosa organização que dirigia.

      Sagração de Jacques de Molay, último grão-mestre da Ordem dos
           Cavaleiros Templários. Quadro de Marius Granet (séc. XIX)

O seu último grão-mestre Jacques de Molay tentou organizar nova cruzada e chegou a assolar o litoral da Palestina e do Egito com uma grande esquadra que montara com os vastos recursos da Ordem, mas o empreendimento se mostrou irrealizável quando o império mogol da Pérsia, seu provável aliado militar contra os sultanatos árabes do Cairo e de Damasco, desistiu de uma guerra a Oeste e investiu sobre à Índia no Leste, fazendo com que a chegada do século XIV encontrasse a Ordem quase que militarmente inativa. Os tempos de ociosidade militar que se seguiram minaram ainda mais a sua capacidade guerreira, mas não lhe diminuíu a arrogância nem o hábito de ganhar dinheiro e amealhar riquezas, adquirido ao longo de cento e oitenta anos de incrível sucesso político-militar e imensa prosperidade econômica.

             Isto levaria à sua destruição.


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

 Post nº 03

A  CAVALARIA  MEDIEVAL  E  A  LENDA
DO  SANTO  GRAAL
Cavaleiro Templário guardião do Santo Graal. Cena do filme "Indiana Jones e a Última Cruzada"


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Uma das estórias mais interessantes produzidas pelo chamado Ciclo de Lendas Arturianas é a do Santo Graal. Segundo a Bíblia, José de Arimateia, um nobre judeu membro do Sinédrio e com acesso a Pilatos, dele conseguiu autorização para sepultar Jesus, de quem secretamente era seguidor, e o fez em uma gruta próxima ao local da crucificação, fechando-a depois com uma grande pedra.

Aí terminam os relatos bíblicos e começam os relatos arturianos, que na Idade Média produziram várias versões e na nossa época muitas outras ligadas à indústria do entretenimento, como são os casos do livro O Código Da Vinci e do filme Indiana Jones e a Última Cruzada.

Analisemos a questão com base nas escassas fontes que possuímos sobre o Rei Arthur porque a estória do Santo Graal está intimamente ligada à sua. O poema Gododdin, composto oralmente nos anos 500 e publicado em linguagem escrita nos anos 600, é a fonte mais antiga conhecida sobre Arthur, mas ela não fala do Santo Graal. O historiador Nennius, escrevendo século e meio depois a sua Historia Britonnum, se refere longamente a Arthur, citando suas grandes vitórias contra os invasores bárbaros, porém é omisso sobre o Graal.  As menções ao cálice sagrado somente surgem em poemas celtas produzidos em torno do ano 1000, dentre eles destacando-se um dos poucos que chegaram até nós, intitulado Lives of Welsh Saints, escrito originalmente em latim e no qual o Rei Arthur é convertido ao cristianismo por um milagre.

A explosão artística da 1ª Renascença incorporou o maravilhoso à vida
das pessoas e as fez substituir as dúvidas pelas certezas

Dada a pobreza de versões consistentes sobre o assunto produzidas na primeira metade da Idade Média, creio que as únicas versões que merecem atenção, ao menos como referencial histórico, são as produzidas na sua segunda metade, especialmente a partir do final do século XII, quando o assunto é abordado com vigor e criatividade pelas penas dos poetas Gaimar, Estoire des Engles; Wace, Le Roman de Brut; Beroul, Tristan; Marie de France, Lais; e sobretudo Chrétien de Troies, autor de vários poemas em prosa e maior expoente do gênero literário a que se deu o nome de Romance de Cavalaria e de Amor Cortês, o qual quatrocentos anos depois seria genialmente satirizado por Miguel de Cervantes em seu famoso romance Dom Quixote de La Mancha. Todavia, o fato de não termos fontes escritas claras sobre o Santo Graal antes do século XII não significa que elas não existissem, pois calcula-se que menos de um décimo do material literário produzido no Ocidente durante a Idade Média chegou até nós. A quase totalidade da pequena fração do legado intelectual greco-romano preservado após a queda do Império somente nos veio a partir do mencionado século, trazido que foi ao Ocidente por cruzados, clérigos e mercadores que voltavam do Oriente, pois a maior parte fora preservada lá por sábios Ortodoxos e Muçulmanos. Basta lembrar que Aristóteles e Ptolomeu, cujas filosofia e astronomia viriam a se tornar oficiais para a Igreja Católica, eram até então desconhecidos no Ocidente.

O pensar do homem medieval era simples: se a maravilha de uma catedral
gótica é real, por que então o Santo Graal não seria?

Não é por acaso que a Primeira Renascença Europeia, com fundação de universidades, construção de catedrais e surgimento de vigorosa literatura romanesca e filosófica, se inicia no século XII. Creio assim que a lenda do Santo Graal já existisse há séculos nos relatos orais guardados na memória do povo e tenha sido aproveitada pelos poetas e escritores altamente intelectualizados da Primeira Renascença, ansiosos por ganharem dinheiro, fama e prestígio com os escritos produzidos para satisfazer o gosto por romance e aventura de um novo público letrado enriquecido pelo saque do Oriente proporcionado pelas Cruzadas. Porém não excluo a hipótese de que a lenda tenha sido forjada por fanáticos no final do século XI para dar às massas mais uma motivação à Primeira Cruzada, além da pura e simples expulsão dos muçulmanos de Jerusalém e a reconquista da guarda do Santo Sepulcro.

A maestria da arte religiosa medieval da 1ª Renascença tornou real para as pessoas o que de
outro modo seria mistério ou pura fantasia

De qualquer forma, foi o ciclo literário medieval do Romance de Cavalaria e de Amor Cortês que deu consistência e popularidade às lendas sobre o Rei Arthur, seus heróicos cavaleiros e o místico Santo Graal, cujas versões podemos reduzir a três. A primeira diz que José de Arimatéia guardou o cálice usado por Jesus na última ceia e com ele colheu um pouco do seu sagrado sangue ao tirá-lo da cruz. Depois levou o cálice para a Britannia e o escondeu em Glastonbury. A segunda tem base semelhante, mas difere ao dizer que o cálice foi levado à Espanha por São Tiago e lá conservado em um mosteiro, pois operava milagres, até que um mago pagão invejoso o roubou e o levou para local secreto.O mesmo acontece com a terceira, diferindo das outras ao afirmar que o cálice não saiu da Palestina e foi ocultado pelos próprios discípulos de Jesus. Como todo mito sempre tem um fundo de verdade, não custa analisar as três versões citadas, dada a importância literária e cinematográfica que a lenda do Santo Graal assumiu na indústria do entretenimento do mundo moderno.

Exeter, com sua magnífica catedral gótica, fica no sudoeste da Inglaterra,
onde o Graal teria sido escondido e Arthur teria reinado

Penso que as duas primeiras versões não merecem credibilidade porque se o cálice fosse levado para Glastonbury, situada no próprio reino de Arthur, não haveria razão para os seus cavaleiros Percival, Galahad e Bors irem procurá-lo em lugares distantes, a ponto dos dois primeiros desaparecerem na perigosa jornada e somente Bors regressar. Por outro lado, os Atos dos Apóstolos, que relatam suas viagens para converterem os pagãos, não falam em viagem de Tiago à Espanha.

O imaginário medieval sobre o Graal tem sido tema na atualidade de  muitos livros e filmes

Na minha opinião a única versão que possui plausibilidade é a terceira, pois sendo José de Arimatéia secretamente cristão, a ponto de opor-se ao Sinédrio na decisão de condenar Jesus à morte, teria sido possível que obtivesse o cálice para tê-lo como objeto de culto e em sua devoção o utilizasse para colher um pouco do sangue que julgava sagrado. Dessa forma, o santo cálice continuaria na Palestina escondido em algum mosteiro no deserto ou lugar secreto nas montanhas, como sugere o filme "Indiana Jones e a Última Cruzada".

Ruínas do Templo de Jerusalém. Alguns dizem que os Cavaleiros Templários teriam escondido o Graal
em seus subterrâneos antes da tomada da cidade pelo sultão Saladino no ano de 1187

Recentes escavações em Jerusalém e arredores mostram que existiam lugares secretos de culto de seitas diversas nos primeiros tempos do cristianismo, os quais foram abandonados pelos fiéis devido às perseguições e depois soterrados pelo tempo. Assim, não é de se duvidar que a relíquia possa um dia ser encontrada em um desses sítios arqueológicos. A versão de que o cálice jamais saiu da Palestina possui valor histórico e prático porque motivou muitos cruzados, sobretudo os Cavaleiros Templários, a perseverarem na terra santa e lutarem ainda com mais fé contra os que consideravam inimigos de Cristo.

Os artistas pintam o Graal como um cálice de ouro ou prata, mas sendo
cálice de carpinteiro deve ter sido de madeira

Porém o maior argumento contra a existência do Graal é o fato de nenhum Doutor da Igreja o mencionar em suas obras dos séculos IV, V e VI, quando se produziu a melhor Teologia antes do século XIII. Também nenhum bom poeta do período o menciona em seus poemas, fato no mínimo estranho, pois o fervor religioso no final do Império Romano era enorme. A Imperatriz Helena em sua peregrinação a Jerusalém ordenara a construção da Igreja do Santo Sepulcro e inaugurara a "Era das Relíquias Sagradas", levando consigo para Constantinopla o que lhe garantiram ser fragmento da Verdadeira Cruz, ossos dos Reis Magos, mortalha de Jesus, vestido de Nossa Senhora, etc. Caso a estória do Santo Graal já existisse, a devota imperatriz moveria montanhas para encontra-lo e por certo o teria encontrado, tal como encontrou as outras sagradas relíquias.

Igreja do Santo Sepulcro construída em Jerusalém no século IV pela imperatriz Helena, esposa do
imperador Constâncio Cloro e mãe do Imperador Constantino, que legalizou o cristianismo

Pessoalmente, acho que o Santo Graal é apenas uma lenda criada por poetas talentosos, com base em relatos orais memorizados e repetidos pelo povo numa época em que a religião reinava suprema, lenda que em nossos dias é uma mina de ouro para cineastas e escritores criativos, sobretudo os cultores dos gêneros "policial" e "fantasia".